Para Wallon, a criança nasce fundamentalmente emocional para ir se tornando um indivíduo sócio-cognitivo, devido à sua interação com o ambiente social e cultural no qual está inserida.
O indivíduo progride no sentido da construção de uma personalidade autêntica, uma identidade própria, através de um somatório de domínios funcionais: domínio afetivo, domínio motor, domínio cognitivo e domínio da pessoa.
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Domínio afetivo:
O recém-nascido e o bebê se expressam pela emoção – ela é tudo que a criança tem a oferecer. Convém prestar atenção, portanto, em seus choros, risadas, angústias, ansiedades, raivas, medos, alegrias e tristezas.
O afeto é interior à inteligência, dessa forma, interações afetivas são essenciais para desenvolver a personalidade.
É a interação com o meio social que estimula e promove o desenvolvimento cognitivo e neurológico da criança.
A emoção evolui da simples expressão fisiológica (orgânica) para a social (comportamental). Elas passam a ser provocadas mais por situações sociais do que por motivações internas. Trata-se de um modo de comunicação e interação com o mundo.
Exemplo: o bebê com fome / o bebê com uma aranha.
A emoção contagia, causa empatia, identidade e comunhão. A emoção se reflete no corpo, se comunica pelo corpo. Toda aprendizagem é emocional. A emoção pode alavancar, estagnar ou regredir (aparentemente) a capacidade cognitiva e racional, pode conduzir o indivíduo a estados primitivos, irracionais.
A emoção, para ser agregadora, precisa ser harmônica com o indivíduo e com o ambiente. Emoções intempestivas, exacerbadas, acabam por diluir a razão e desagregar a interação social. Uma possibilidade de rearmonizar a emoção é racionalizá-la, o que é funcional com o adulto, mas não com a criança pequena.
Domínio motor:
Em crianças de 2 a 4 anos, sobretudo, a aprendizagem se dá pelo corpo, pelo movimento. Crianças nessa idade aprendem pela manipulação e pela exploração.
Conter o movimento com o intuito disciplinar de aprendizagem, ou seja, pedir a uma criança que fique quieta, parada, estática, é simplesmente impedi-la de aprender, de pensar, de se desenvolver.
Quanto mais nova a criança é, maior é a sua necessidade gestual-corporal para a comunicação e para a aprendizagem.
Faça um teste: faça uma pergunta a uma criança de 3 anos e solicite que explique seu pensamento. Depois faça o mesmo com uma de 7 anos. Verifique que a comunicação gestual da criança de 3 anos é parte integrante da explicação, enquanto, na de 7, o gestual é mínimo, podendo não existir.
O movimento, na criança de 2 a 4 anos, expressa o seu pensamento, as suas inclinações e as suas necessidades.
Em termos de escola, na sala de aula, o movimento excessivo indica que há insuficiência nas condições de expressão do aluno. O professor deve se atentar a isso.
Quanto mais nova for a criança, menor será a sua tolerância ao esforço e à concentração mental e maior a sua necessidade de se aprender e se expressar corporalmente.
Importante: para crianças de 2 a 4 anos, movimento é expressão. Não se deve excluir o movimento da sala de aula.
Domínio cognitivo:
Este domínio é responsável pela aquisição e organização do conhecimento.
Para Wallon a inteligência existe desde a mais tenra infância (bebê) se aprimora através das relações socioculturais.
A inteligência é consequência direta do exercício da comunicação e da afetividade. É imprescindível estimulá-las na criança.
Domínio da pessoa:
A socialização leva à construção da individuação, ou seja, as relações, a interação social e cultural são os alicerces da individualidade, da personalidade.
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Wallon dispõe os estágios do desenvolvimento infantil em estágio impulsivo emocional, estágio sensório-motor projetivo, estágio do personalismo, estágio categorial e adolescência. Eles se alternam em condutas afetivas e cognitivas.
A criança de 2 a 4 anos se encontra no limite entre o final do estágio sensório motor projetivo (crianças entre 1 e 3 anos) e o início do estágio de personalismo (crianças entre 3 e 6 anos).
Entre os 2 e 3 anos, a criança está no final do estágio sensório motor projetivo, cuja predominância é cognitiva, tendendo ao conhecimento do mundo concreto, do real do físico. Seu foco é, portanto, objetivo.
Nesse período a criança está começando a adquirir a capacidade de se diferenciar do outro que e de reconhecer sujeitos de autoridade, como pais, professores e familiares. É de extrema importância que essas figuras de autoridade estejam atentos sobre o que dizem à criança sobre ela mesma, uma vez que o indivíduo não possui a habilidade de estabelecer diferença entre o que ela é e o que a figura de autoridade (ou simplesmente um outro) diz que ela é.
Com a conquista da capacidade de falar e com a interação social, a criança de 2 a 3 anos passa a nomear pessoas e objetos, estabelecendo diferenças, ampliando sua capacidade cognitiva.
Entre os 3 e 4 anos, a criança está no primeiro triênio do estágio de personalismo, cuja predominância é afetiva, voltada para a construção da sua individualidade, da sua personalidade. Seu foco é, portanto, subjetivo.
Nesse período ocorre o início da autodiferenciação da criança em relação aos outros. É a primeira busca pela construção da identidade.
As relações e os papéis sociais começam a adquirir contornos específicos. Na pré-escola, por exemplo, reduz-se drasticamente a “confusão” do vocativo “mãe” e “tia” (ou “professora”).
Para Wallon, crianças no estágio de personalismo têm comportamentos de oposição, sedução e imitação.
A oposição é uma das primeiras possibilidades de a criança se autoafirmar. Trata-se da negação da criança, muito observável na idade, no que se refere a ordens das figuras de autoridade ou de crianças da mesma faixa etária. São, em regra, bastante competitivas, impondo suas vontades e disputando brinquedos. É importante que a criança tenha espaço para a oposição, para se autoafirmar, ao mesmo tempo em que necessita absorver regras sociais.
A sedução é a tendência que a criança do estágio de personalismo tem de ser reconhecida, admirada, contemplada. É possível observar esse comportamento em atividades de produção artística em grupo, quando uma criança fala “tia, olha o meu trabalho, como ficou bonito!” e, em seguida, como num dominó encadeado, as demais começam a levar o trabalho á professora, buscando o mesmo reconhecimento. É importante que o professor preste seu reconhecimento a todas as crianças, estimulando-as à expressão.
A imitação, última característica do estágio de personalismo, é uma maneira de experimentação da vida adulta pela criança. Trata-se de uma antecipação que motiva seu próprio desenvolvimento. Assim, a criança começa a representar trejeitos e singularidades das suas figuras de referência, reforçando seus laços afetivos com o universo adulto. A criança não deve, portanto, ser tolhida de imitar, de representar suas figuras de referência, mesmo que tais figuras não sejam referência para o professor.
Em suma, Wallon aponta que a Educação deve, para além do desenvolvimento cognitivo, ser vetor da construção da identidade, da personalidade do indivíduo.
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Texto de autoria de Thiago Vieira,
Comunicólogo, psicopedagogo, professor de Língua Portuguesa, psicanalista e especialista em sexualidade humana
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VIEIRA, Thiago. Título da publicação. Publicado em “Pedagogia Modular”. Disponível em https://pedagogiamodular.wordpress.com. Acesso em DD/MM/AAAA.